quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Matei-te cobardemente numa manhã clara...

Caí a noite, vem a escuridão, perdem-se as lembranças, afunda-se a desgraça, volto a sentir lá ao longe o meu caminho firme sob meus pés, para longe de ti, do teu caminho, enfim da tua e da minha desgraça. Envolto nas trevas da noite longe de ti e da amargura, liberto do dia e das lembranças tuas sou uma espécie de nómada que encontrou o oásis no meio do deserto… no meio da morte quase certa. Reminiscências tuas achegam-se vagarosamente de mim com o raiar do dia que anseia pelo dobrar da noite ao dobrar da esquina, envolvendo a noite e a minha alma com ela, consumindo a noite bela e formosa numa graciosa armadilha, da qual jamais haveremos de escapar aos tentáculos dos primeiros raios de claridade.

A noite parte, dá lugar ao dia, queria partir com ela, deixando os espíritos perversos que consomem a minha sanidade. Porem quando ela parte, e tudo parte com ela, tu voltas, ficando assim as tuas lembranças enraizadas nos dias claros em mim, apavorando incessantemente a minha existência. Se ao menos os dias fossem escuros, de ténues alvorecer, inconfundíveis perante a escuridão negra da minha alma. Não poderiam os dias ser todos cinzentos de chuva, povoados de nuvens? Será que ainda assim seriam sinistros? Será que mesmo assim virias com eles? Com a noite não… essa doce e sincera amiga que ilude as chagas dos meus sentidos, entorpecidos gravada pela tua feição nas minhas retinas… pelo teu sangue nas minhas mãos… pelo odor intenso do teu sangue impregnado na minha roupa, na minha pele… Pela emanação do teu sangue quente em contacto com o gelo frio da manha… pelo último palpitar do teu coração ao quedar-se sem sangue nas veias para pulsar… pelo extinguir da chama no teu olhar.

Foste-te numa manha clara de verão, ainda á meia-luz, no momento exacto em o sol deturpa a noite… matei-te enquanto ainda cheiravas a sexo… quando sabe bem aquela soneca pós coito, numa execução covarde, confesso… digna de ti! Enquanto dormias pacificamente. Num acto que só tu farias… Se fosses viva dirias o mesmo… dirias que nem a viste chegar, que só acordas-te com a lâmina fria espetada nas costas quentes… num pulmão! Sem saber de onde ela veio, embora o soubesses bem quem tenha sido.

Mesmo a esvaíres-te em sangue, não foi possível arrancar-te uma réstia de humanidade em ti, não deixas-te mesmo transmitir a percepção de frágil, de indefesa…. Os teus olhos não transmitiam ressentimento como seria expectável que o fizesse! Não pronunciaste um único gesto, uma única palavra! Podias suplicado por ajuda, apelar aos meus sentimentos e pedir misericórdia! Mas não o fizeste… Podias ter gritado, ou ainda ter-me insultado com os piores nomes a face da terra, que eram a tua especialidade, “mesmo quando eu me estava a lixar para o que dizias, lá conseguias arranjar maneira de me tirar do serio”.