terça-feira, 9 de março de 2010

Meu Velho Amigo.










É a um amigo muito especial que hoje presto a minha gratidão, pois não há maior valor na vida que o valor da amizade, assim como não há maior ingratidão que esquecer os amigos. Eles fazem e fizeram de nós aquilo que hoje somos, com eles enfrentamos a puberdade, as lágrimas do primeiro amor não correspondido… a família não se escolhe…ao invés dos amigos, daí a importância deles.
É curioso como a juventude se dissipa do nosso corpo, sem sequer darmos conta disso! Ela vai-se e ficamos apenas com a saudade… com a nostalgia. Sinto saudade das noites quentes de verão, às quais não dei a devida importância. Tenho pena dos amigos que deixei e nunca mais vi. Tenho saudades de partir em busca de um destino, à conta disso, percorri sozinho os caminhos loucos da juventude errante. Parti sem nunca conhecer o destino, e por vezes cheguei sem saber sequer que tinha atracado… foi assim que perdi a minha juventude. Não a perdi num banco de traz de um carro como muitos, nem dentro de quatro paredes nuas de uma escola, como a maioria, olhando para um quadro preto carregado de surdos hieróglifos de giz brancos, cujo significado nem procurei entender. Caminhei no fio do destino, estive no nariz do mundo e toquei no céu… contemplei o pôr-do-sol abrasador sobre as pirâmides do Egipto, se a juventude de outrora se foi, as recordações dela em mim permanecem.
 Ao contrário de outros que não têm a devida noção de onde nem quando perderam a maior das virtudes. Eu… perdi a minha, numa noite bela e fria de Outono, carregada de luar, parecia que a lua se iria precipitar sobre a terra, tamanha era a sua intensidade e beleza.
Nada mais havia para fazer numa noite fria de luar, nada mais que apenas pescar… com o nosso mais velho dos amigos… o nosso velho e amigo das horas vagas, o nosso velho cão! Sem nunca negar ou medir esforços para me acompanhar, apesar de a sua idade não aconselhar a grandes e desmedidas aventura. Foi nesse dia que percebi que idade não pesa em espírito jovem, e que a vontade é a maior das armas de um corpo fraco. Fosse qual fosse o destino gritava sempre presente, por maior que fosse a desmedida ambição do seu amigo mais novo… lá estava de bom grado (quase com um sorriso nos lábios) quando todos os outros declinavam amavelmente o convite.
Claro que nem eu nem ele alguma vez tínhamos pescado na vida, mas não iria ser isso que nos iria impedir de ir pescar naquela noite linda de Outono… de um ramo seco de giesteira, fizemos a cana… de um velho fio norte, a seda… de um clipe, o anzol… À falta de jeito e conhecimento levamos o entusiasmo… juntos leva-mos aquilo que ninguém nos pode tirar… amizade. Para mim foste mais do que amigo… contemplamos juntos o brilho intenso da lua, no silêncio da noite fria, partilhamos o mesmo velho cobertor. E no fim partilhamos a vida.
Quando nada pescamos, tudo deixamos tudo para traz, as tristezas, a cana improvisada, e os ossos gelados… excepto as recordações, essas vieram connosco para mais tarde recordar… em dias como o de hoje, dias de nostalgia… dias em que me recordo de ti e da minha juventude… que nesse dia a perdi… porque tu pereceste perante a maior das inevitabilidades da vida... bateste-te por ela tenazmente como alguém na flor da idade que se recusava a morrer. Nesse dia perdi a minha juventude, mas trouxe uma lição de vida, carreguei o teu exemplo, e fiz dele minha bandeira. Certo que já não mais te teria para me acompanhar para onde ninguém ousava ir, já não mais te teria para juntos admirarmos a beleza da lua sem ousar toca-la… já não te teria no escuro do quarto para juntos chorarmos o amor não correspondido. Mas terei para sempre o exemplo que idade não pesa em espírito jovem, e que a morte chega sempre em horas inoportunas, partiste na tua hora, cedo de mais para mim… talvez não para ti. Entreguei o teu corpo a terra fria, como um dia entregarão o meu… mas por agora moras num lugar bem especial! 
No meu coração.  

2 comentários:

Quelarinha disse...

Rui... atrevo-me a dizer que foi o mais belo texto que escreveste neste blogue, pelo menos na minha singela opinião. E de facto, faço minhas estas mesmas palavras. É algo de extraordinário e incrível a força com que um animal nos pode amar. Simplesmente amar, sem nada pedir em troca. Pergunto-me: haverá maior pureza do que essa?
Também eu partilhei até há pouco tempo muitas aventuras e viagens com uma amiga muito especial. E tal como dizias, era companheira... muitas vezes, a única companheira.
Os mais sinceros parabéns por este belíssimo elogio a esses nossos grandes amigos.

Rui disse...

Sou um pouquinho suspeito para me pronunciar sobre a estética do texto, que depende em muito de quem os lê. É de facto um texto muito carregado de sentimento e isso é que importa….
Mas fico contente que te tenhas identificado com ele… é muito reconfortante ouvir que te identificas com as minhas palavras, porque por vezes fica em mim a sensação de incompreensão… para mim a amizade não tem limites, apenas se sente, independentemente de géneros, e nisso os animais são bem menos egoístas que as pessoas! E amam sem nada pedir em troca.
Escrevi-o porque faz agora no dia 11 de Março 8 anos que o perdi, e fica assim em jeito de homenagem… que ele tão bem a merece.